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marilia furman: vazio e dilúvio
17 ago - 26 out 2024
curadoria de deyson gilbert
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A Central anuncia a abertura de "Vazio e dilúvio", de Marilia Furman, no sábado,17 de agosto. A primeira individual da artista no Brasil tem curadoria de Deyson Gilbert.
Ao longo de sua produção, Marilia Furman vem levantando questões sobre o caráter de crise e colapso iminente do sistema de produção de mercadorias (ou, capitalismo tardio). Seja por meio de apelos à sensibilidade imediata através de mecanismos que colocam matérias-primas como vidro, parafina e gelo em conflito; seja através da apropriação e desvio de significados de objetos e imagens, a artista busca moldar estruturas de violência e dominação social. Nos últimos anos, Furman se voltou principalmente para uma discussão da conjuntura política brasileira, com trabalhos que recorrem a símbolos nacionais, militares e elementos visuais da indústria cultural do país, tratando tal cenário como parte de um fenômeno global de intensificação violenta da desintegração social e destruição material.
Vazio e Dilúvio aborda criticamente esses fenômenos, assumindo a alegoria do dilúvio como elemento norteador de suas reflexões e trabalhando com imagens de excesso e de sobras da superprodução simultaneamente. Os trabalhos apresentados articulam elementos de guerra, violência, desenvolvimento técnico e cultura de massa e catástrofe climática.A constatação da falência do mundo e de sua incorporação na normalidade cotidiana são sugeridas já na entrada da exposição, a partir de uma interferência na topografia da galeria. Trabalhando com a escala e luminosidade do espaço, entre outras operações, a artista propõe uma alteração de percepção que busca implicar diretamente o corpo do espectador.
Marilia Furman participou de residências artísticas no Pivô - São Paulo (2019); Studio Pharus - São Paulo (2018), além do Programa Independente da Escola São Paulo para Artistas e Curadores (PIESP), onde foi contemplada com a bolsa-prêmio (2014).
Suas exposições individuais incluem: Heroico, performance instalativa de longa duração realizada na Publica - São Paulo (2022), MONSTRUOUS, na PSM Gallery - Berlim (2022), Ver, no Auroras - São Paulo (2019), Wrong Position, na PSM Gallery - Berlim (2019), entre outras. Suas exposições coletivas incluem: ContraMemória, Theatro Municipal - São Paulo (2022); No presente, a vida (é) política, Central Galeria - São Paulo (2020); Construção, Mendes Wood DM - São Paulo (2020); Deus está solto!, Galeria Jaqueline Martins - São Paulo (2017); Um Trabalho | Um Texto - São Paulo (2017); Now/Here, Franz Josefs Kai 3 - Viena (2016); Rumos Artes Visuais, Itaú Cultural (2012-2013). Em 2023 foi indicada ao Prêmio PIPA. A artista também é representada pela PSM Gallery. -
vistas da exposição
gretta sarfaty: almost reflections of a woman
10 ago - 14 set 2024
curadoria de lui tanaka
martins & montero, são paulo
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A Central em parceria com a Martins & Montero anunciam a abertura da individual “Almost reflections of a woman” de Gretta Sarfaty, no dia 10 de agosto. Curada por Lui Tanaka, a exposição marca o pré-lançamento do livro da artista pela Act. e apresenta a série de pinturas “Reflections of a Woman”, realizada por Sarfaty entre 1991 e 1997.
Esta é a primeira vez que a série de pinturas é apresentada no Brasil - o conjunto foi exibido pela última vez ao público em Londres no ano de 1997. A década de 1990 marca a ênfase da artista na pintura figurativa, antes voltada para a experimentação com o vídeo, a fotografia e a performance.
A representação do corpo feminino, ponto central da poética de Sarfaty, seguem evidentes nas composições de "Reflections of a Woman", que citam a tradição do nu feminino na pintura europeia dos séculos XVIII ao XIX.
As cenas do cotidiano privado são coabitadas por espelhos e suas imagens: "É como se, esquecendo-se do mundo, das coisas, do prosaico e do tempo do relógio, fosse permitido adentrar cada quarto pintado por Gretta Sarfaty e ali estar a sós com cada mulher nua retratada pela artista", afirma Lui Tanaka no texto curatorial.
A imagem especular é frequente em outras obras da artista, que afirma: "Eu gosto dos espelhos, eu estive fascinada por eles. É fascinante ver a imagem refletida e brincar com ela. Você pode ver diferentes coisas. Elas brincam e jogam com você. Eu fiquei fascinada por esse aspecto".
Gretta Sarfaty é reconhecida por sua abordagem experimental e engajamento com questões de gênero. Em sua obra, um tema recorrente é o questionamento das representações estereotipadas da mulher e a busca pela essência feminina, muitas vezes expressa através da manipulação de autorretratos que se metamorfoseiam nas diversas mídias e suportes em que Gretta explora suas investigações estéticas. Seu trabalho desafia os padrões vigentes, provocando reflexões sobre identidade, poder e feminilidade na contemporaneidade.Suas exposições individuais recentes incluem: “Not Your Usual Gretta Sarfaty”, na Central Galeria - São Paulo (2023); “Retransformações” na Auroras - São Paulo (2022); “Dos Nossos Espaços Vazios Internos” na Central Galeria - São Paulo (2019); entre muitas outras. Suas exposições coletivas abrangem eventos como: “Chão da Praça” na Pinacoteca - São Paulo (2023); “Farsa. Língua, Fratura, Ficcção: Brasil-Portugal” no Sesc Pompeia - São Paulo (2020); “Histórias da Dança” no MASP - São Paulo (2020); “Journées Interdisciplinaires Sur l’art Corporel et performances” no Centre Georges Pompidou - Paris (1979); “Mitos Vadios” em São Paulo (1978); “13ª Bienal - São Paulo” (1975); entre muitas outras. Suas obras integram importantes coleções públicas, tais como: International Cultureel Centrum - Antuérpia; Musée du Palais - Luxembourg; Pinacoteca do Estado - São Paulo; Museu Reina Sofia (Madri); e Fundação de Serralves - Porto.
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Gretta Sarfaty: Almost reflections of a woman
“Um momento nunca se repete: ele se renova.”Gretta Sarfaty
Gretta Sarfaty/ almost reflections of a woman é o nome desta exposição – realizada pela Martins & Montero em parceria com a Central – que abarca nove obras inéditas produzidas em tinta acrílica sobre tela pela artista em Londres, no ano de 1997.
São trabalhos que fazem parte de uma série que Gretta Sarfaty chamou de Reflections of a Woman (“Reflexos de uma Mulher”, em português), título que contém certa ambiguidade, já que a palavra reflections significa tanto reflexos (mudanças de direção do ângulo da luz) quanto reflexões no sentido de meditações, pensamentos, ideias, opiniões e até filosofias.
Mas na pintura não existe filosofia alguma. Há a pintura. A pintura apenas. A pintura com suas cores, formas, linhas, contornos, movimentos, profundidade e perspectiva. Se há algum pensamento, ele está no pincel do pintor, que emprega seu corpo no ato de pintar e transforma o mundo em pintura, como afirmou Valéry.
Porque o pintor faz parte do mundo e com ele mantém uma relação misteriosa. O mundo está dentro dele também. Uma espécie de contradição. Um paradoxo. Como se existisse um espelhamento entre os dois. Um enigma que o torna ao mesmo tempo vidente e visível. Um reconhecimento entre os dois de que a visão é uma espécie de espelho e, também, a concentração de todo o universo.
Paul Klee dizia que olhava as coisas e as coisas olhavam para ele de volta. André Marchand falava que a floresta o observava enquanto ele a pintava. Matisse gostava de figurar ele próprio no ato de pintar, como se, ao fazê-lo, pudesse refletir melhor sobre si mesmo e as coisas que pintava por meio do desenho.
Muitos pintores sonharam com espelhos e pintaram espelhos. O espelho na pintura holandesa não deixa de ser o olho do pintor. O olho redondo “que se intromete no quadro” para refletir ao espectador aquilo que está fora da pintura. O olho que olha o espectador de volta. Uma pintura dentro da própria pintura. Um reflexo do mundo. O reflexo do pintor. O pintor.
Porque o pintor pensa por meio da pintura, como disse Cézanne. E o pensamento do pintor não é de modo algum uma prática separada de sua obra, como uma filosofia, um manual de estética ou uma crítica da arte, mas constitui a própria práxis, ou seja, a obra de arte.
E a obra de arte, sobretudo a pintura, basta a si mesma para ser vista e contemplada. Qualquer coisa que for dita sobre ela é opinião, crítica e coisa feita a posteriori. Talvez, nada disso corresponda à espontaneidade do ato da pintura, à subjetividade do pintor ou ao objeto de arte (que mudo) é capaz de falar por si mesmo.
Porque o objeto de arte constitui “a coisa em si”. Trata-se do fenômeno, palavra de origem grega que significa “aparição”. E requer um instante, de quem o contemple, no qual haja uma espécie de esquecimento do mundo e até de si mesmo, para que ele surja, apareça e se revele, enfim, como phainomenon.
Gretta Sarfaty/ almost reflections of a woman pede esse tempo. É como se, esquecendo-se do mundo, das coisas, do prosaico e do tempo do relógio, fosse permitido adentrar cada quarto pintado por Gretta Sarfaty e ali estar a sós com cada mulher nua retratada pela artista. E junto delas demorar-se diante do espelho.
Porque para olhar o nu é preciso também estar (quase) nu. E esquecer o tempo. Esquecer as preocupações. Esquecer a vida diária, o cotidiano ordinário e o banal. Mais do isso, esquecer qualquer teoria. Porque para admirar o corpo nu de uma mulher não é preciso sistema filosófico algum. É preciso apenas ter olhos.
E num instante, num piscar de olhos, talvez, o fenômeno aconteça: o espelho da tela “Travelling” se movimente e o seio da mulher e seu sexo se revelem. O silêncio de “Pianíssimo” se quebre com o movimento das pernas (pp) da linda moça de cabelos curtos. E seu ser seja tomado pelo impronunciável do erotismo de um tempo que não existe nesse mundo ainda.
Reflections of a Woman, de Gretta Sarfaty, pede a suspensão do tempo. São trabalhos de uma natureza almost vintage. Almost porque quase completam trinta anos. Almost porque quase revelam os corpos nus. Almost porque há algo de quase surreal nos trabalhos. Almost pelo perfume da fotografia boudoir nessas pinturas. Almost porque quase não sei como descrever essa sensualidade sutil. Esse verbete do feminino que me escapa.
E, talvez, mais do isso, almost porque existe um pouco de todas as mulheres nas mulheres de Gretta Sarfaty. São todas um pouco de Gretta Sarfaty ela mesma. São quase todas um pouco de Fernandas, Jaquelines, Marias, Mirtes, Marinas, Patricias, Isobels, Yasmins, Camilas, Sofias, Helenas, Georgias, Glendas, Cecílias, Acássias, Brendas, Eloisas, Gabis, Cremildas, Raquéis, Lucianas, Mayas, Lias Di Castro, Elianas e todas que tornaram possível Gretta Sarfaty/ almost reflections of a woman.
/Lui Tanaka -
vistas da exposição
ros4: esse casco pode ter tudo que esse casco quiser ter!
25 mai - 3 ago 2024
curadoria de nutyelly cena
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A Central Galeria tem o prazer de anunciar a abertura de "ESSE CASCO PODE TER TUDO QUE ESSE CASCO QUISER TER!", primeira individual da artista Ros4 em São Paulo, curada por Nutyelly Cena.
Convergir as linguagens empregues por Ros4 ao longo de 10 anos é um dos motes da exposição. Seu trabalho transita em diferentes suportes e plataformas: música, vídeo, fotografia, performance e instalação. A mostra assinala o lançamento do EP R.O.S.4 e a transição de nome da artista visual, rapper e criadora de conteúdo para a internet, à frente do canal do YouTube Maloka Imponente.
Fotografias, como a série "Tratamento de reposição hormonal automedicado" (2015), em que a artista se auto retrata durante sua hormonização; vídeos, entre eles, o clipe da música Maria Navalha / Salve Seu Zé (2024), se juntam na expografia de forma instalativa, ao lado de trabalhos recentes, como JukeTrava (2024) e Barraco 2 (2024).
A curadoria destaca o processo espiralar do tempo que envolve a criação de Ros4 - um recorte que expande as possibilidades de debate para além da crítica dos marcadores sociais da diferença.
"Em suas obras, Ros4 não apenas busca desafiar as convenções religiosas tradicionais que a limitam y não apenas rejeita-as essas normas, mas também defendem uma profanação da ontologia travesti que foge das dimensões cronológicas e lineares da cisgeneridade, que muitas vezes é como uma máquina de moer desejos" comenta a curadora no texto da exposição, que conclui: "Seus deslocamentos nestes dez anos, em certa medida, vêm ao encontro de si mesma, como um corpo-casco-couraça daquilo que aprendeu a ser!"
Vida e experiências de Ros4 estão no centro de sua obra, que, abordadas de forma transgressora, abrem espaço para redefinir noções de visibilidade e representatividade das identidades trans e travestis no campo das artes. A liberdade, as impermanências e a autonomia estão entre os questionamentos, evidentes em seus autorretratos e rimas: veículos poderosos para redefinir e reconfigurar as estruturas convencionais.
Ros4, nascida na cidade satélite de Gama, Distrito Federal, é artista visual, rapper e criadora de conteúdo para a internet. Thanksgiving, Vortic (2021); e Uma trajetória, Casa da ONU - Brasília (2017) estão entre suas exposições individuais. Tem obras nas coletivas DOS BRASIS - Arte e Pensamento Negro, Sesc Belenzinho - São Paulo (2023) e Sesc Quitandinha - Petrópolis (2024); Quilombo: vida, problemas e aspirações do negro, Inhotim - Brumadinho (2022); A margem é mais larga que o vão, Central Galeria - São Paulo (2021); Programa Convida, IMS (2020); 36º Panorama de Arte Brasileira, MAM - São Paulo (2019); Histórias Feministas, MASP - São Paulo (2019); 14ª Bienal - Curitiba (2019); Não podemos construir o que não podemos imaginar primeiro, Paço das Artes/MIS - São Paulo (2017); entre outras. Participou da residência MilesKM, Tanteo Art Residency - Londres(2015).
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A fabulação travesti como uma fuga ao sonho de outros mundos possíveis
Salve a Malandragem! Que permite que pensemos sobre as nossas jornadas e reconhecer a recusa dos espaços de se adaptarem às práticas experimentais e libertárias, lideradas por comunidades e influenciadas por movimentos sociais, grupos indígenas, quilombolas, espaços religiosos e laicos, todos engajados em ativismos LGBTQIAPN+, feministas e de outras causas. Em meio aos sistemas de produção contemporâneos, pensar as presenças e as impermanências nas estruturas é ainda essencial para fomentar trajetórias para além das políticas de representatividade. É urgente criar equipamentos culturais e políticas públicas de fomento à produção e à fruição em que as nossas vozes, mesmo que marginalizadas, ecoem as memórias subalternas possam ser celebradas e compartilhadas, contribuindo para a destruição das concepções de mundo como conhecemos.
Permitir que nossas corpas e vozes sejam expressas neste mundo, ainda que de maneira expropriada, controlada e negociada, é atender ao desejo de evidenciar o poderoso e diverso poder da imaginação de fabulá-lo e reabilitá-lo.
Expectativa vs. Realidade. A primeira exposição individual da Ros4 é a materialização de um sonho fabulado em coletivo y ancestral, que sintetiza um processo de reconhecimento que vai além de simplesmente abordar sua trajetória artística.
Como espaço do sonhar, a exposição traz uma perspectiva reflexiva da artista que conecta sua carreira e seu legado de maneira profunda e significativa. Determinadas produções guardam a potência de se tornarem abrigo e resistência dos encontros com a poesia e a música. Como espaço do sonhar, a exposição traz uma perspectiva reflexiva da artista que conecta sua carreira e seu legado de maneira profunda e significativa. Determinadas produções guardam a potência de se tornarem abrigo e resistência dos encontros com a poesia e a música.O processo do tempo espiralar e as transmutações da Ros4
Refletindo sobre os sentidos atribuídos às migrações para se tornar artista e seus deslocamentos territoriais entre Gama (DF) e Zona Leste de São Paulo, em São Miguel Paulista (SP), a exposição apresenta a jornada de reconquista de sua mobilidade interior, um caminho de volta, que a conduz à sua dignidade humana, intrinsecamente ligada à constante busca pela preservação de sua integridade física e espiritual. Como bem expressa a letra da música Chega de se esconder! de seu novo EP, R.O.S.4, o momento é de, em pares, escapar das mazelas e da sujeição da colonização, de expropriações e estratificações dos seus territórios e corpos, guiados pelas macumbarias: tudo que é meu é delas/mas nada delas é meu, eu acompanhando elas a noite e a magia aconteceu!
Como artista, seus percursos poéticos florescem quase que construindo um arquivo do futuro, reconhecendo o processo como algo em constante transmutação e transformação. Ao questionar se na história situada de Xica Manicongo havia espaço para ser uma travesti, a artista busca desconstruir a rigidez da identidade e abrir caminho para a fabulação especulativa de uma ancestralidade travesti em um tempo-espaço compartilhado, onde a ética de percepção comum possa ser redefinida e continuada na trajetória da Ros4.
O desafio se fez quando buscamos explorar a vida e o alter ego artístico de Rosa Luz, uma vez que foi sua persona na internet que a levou a movimentos de recusa aos códigos da subalternidade e brancura. Um corpo que, para não ser decapitado pela sociedade, renasce como Ros4, sendo fiel ao que y a quem acredita, subvertendo a própria existência – transmutando-se.Ao adentrar nos seus arquivos pessoais dos últimos dez anos, percebe-se que estes não se limitam a simples imagens, vídeos e letras a serem lidas. São, na verdade, espaços de fabulação e criação. Neles há rastros e lacunas que se assemelham àqueles que compartilham o seu mundo com outras pessoas, transcendendo as fronteiras de determinado tempo e lugar. Nos autorretratos, identificamos fronteiras, permeabilidades, narrativas entre seus deslocamentos atravessados pelo espaço-tempo que converge em aparição entre vida e morte, como se, nas atemporalidades, a própria história desses registros batesse às portas e quisesse mostrar algo.
Almejamos apresentar a liberdade de ser para além da escassez de capital na trajetória de muitas artistas mulheres (trans, cis, travestis) e pessoas não-binárias: negras, originárias e não-brancas em diferentes classes sociais que seguem forjando movimentos que transcendem as normas e os discursos dominantes sobre o ser artista e o sobreviver-sendo. Em suas obras, Ros4 não apenas busca desafiar as convenções religiosas tradicionais que a limitam y rejeitá-las, mas também defende uma profanação da ontologia travesti que foge das dimensões cronológicas e lineares da cisgeneridade, que, por sua vez, muitas vezes funciona como uma máquina de moer desejos. Por isso, apresentamos a busca por construir outros mundos desejantes – contradizendo o desejo original da branquitude – com autorreconhecimento e da multidisciplinaridade do ser, buscando ultrapassar os regimes de violência da vida negra travesti, forjada antes de tornar-se Ros4. um corpo-casco-couraça daquilo que aprendeu a ser!
Seus deslocamentos nestes dez anos, em certa medida, vêm ao encontro de si mesma, como um corpo-casco-couraça daquilo que aprendeu a ser!
Ser trans/travesti é um ponto de partida, mas não é suficiente para o circuito das Artes. Ao ser curadora das próprias éticas, experimentações e obras, Ros4 busca subverter medos, complexos e inverdades ontológicas da cultura que naturaliza a cisgeneridade. Minhas performances deliberadas buscam escapar do esforço deliberado, criando formas diversas de ser artista e mulher. No tempo que negamos a negação do corpo travesti, como seguir reivindicando a verdade como pensamento de mundo e buscando existir além da norma e do discurso? Minha trajetória como artista é uma obra de arte em si, uma declaração política e ética de existência e da resistência, e uma recusa de ser aquilo que se espera para ser aquilo que se está criando, transmutando.
E nesse processo do tempo espiralar,
Ros4 anseia por multiplicar
as possibilidades de sua presença no mundo,
perpetuando assim um ciclo profundo.
Espiritualidade, Amadurecimento, Crescimento, Coletividade,
direito à opacidade, à recusa, à dignidade.
Práticas de cura, macumbas em ação,
letras e rituais, sua expressão.
Fundamentais para sua radicalidade,
permitindo que Ros4, em sua verdade y errâncias,
possa existir através da música, contra a norma,
negando a negação, esse corpo-casco que pode ser tudo que esse casco puder ser!
// nutyelly cena e ros4 -
vistas da exposição
allan weber: novo balanço
23 mar - 27 abr 2024
texto de jean carlos azuos
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A Central Galeria, em parceria com a Galatea, tem o prazer em apresentar Allan Weber: Novo Balanço.
A mostra individual do carioca Allan Weber, representado pela Galatea, tem texto crítico de Jean Carlos Azuos e acontece no IAB - Instituto de Arquitetos do Brasil do dia 23/03 ao 27/04. O artista ocupa os dois andares do mezanino do edifício modernista icônico projetado por Rino Levy. Weber apresenta desdobramentos de sua pesquisa sobre as lonas utilizadas em bailes funks do Rio de Janeiro, além de uma nova instalação site specific da série Passinhos e um conjunto de obras inéditas.
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NOVO BALANÇO
Allan Weber (Rio de Janeiro, 1982) apresenta, no mezanino do IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil, a série Novo Balanço, que traz desdobramentos recentes da sua pesquisa em torno das lonas de baile funk. A nova série evidencia a continuidade e o aprofundamento das investigações do artista sobre as materialidades, estudos cromáticos, suportes e suas interseções com as arquiteturas dos espaços em que estes trabalhos estão inseridos, aspectos que demonstram sua contínua expansão.
Desde a sua primeira exposição individual, Existe uma vida inteira que tu não conhece (2020), o artista tem consistentemente ampliado o acesso à sua realidade, aproximando-nos de seu lugar de origem e de sua comunidade, que é a base central de suas referências, inspirando e permeando suas provocativas manobras estéticas.
A pesquisa de Weber avança através das disputas sociais, geopolíticas e simbólicas, impulsionando seu percurso pelas linguagens artísticas a questionar e confrontar os estigmas dos espaços historicamente subalternizados. Enquanto a história contemporânea brasileira frequentemente retrata as periferias como locais de violência e subversão, Weber, nascido e criado na favela 5 Bocas, no Rio de Janeiro, continua a desafiar essa visão, percebendo nesses espaços os conceitos, manufaturas, códigos e tecnologias que impactam e informam esteticamente sua produção.
Nesse contexto, a lona emerge como a interface e materialidade das experimentações em suas pinturas expandidas, esculturas, instalações e obras site specific, conferindo sentido e contorno à pesquisa, que ganha amplitude no pensamento e na execução. Se, por um lado, as lonas têm uma função inerente às dinâmicas dos circos, eventos e bailes de rua, em que seu uso é comumente voltado a servir a algum propósito, seja para proteger o público das intempéries ou simplesmente como elemento estrutural e estético, Weber reconfigura o seu significado ao elevar a lona como elemento central, protagonista e superfície de criação de sua poética.
A produção do artista, especialmente as obras que integram esta nova série, estabelece conexões com a história da arte brasileira ao explorar as confluências entre suas criações e os movimentos concretista e neoconcretista. Ambos caracterizados por sua busca por inovação e vanguardismo, desafiaram as convenções estéticas e conceituais dominantes de seu tempo, propondo novas formas de expressão e de pensar e fazer arte inseridos em contextos sociais. O trabalho de Weber nos lembra disso e amplifica as ressonâncias dessa busca por autenticidade e novas formas de operação na arte.
Nas paredes, a interação entre as cores e a presença da monocromia revelam a ruptura de uma padronização predefinida entre as cores comuns utilizadas na confecção de lonas, adotando uma intensidade cromática que influencia a composição das formas sobre o plano. Isso se manifesta através de paletas de cores uniformes e nas variações geométricas.
No espaço expositivo, lonas densificam-se no chão, amarradas, deixando pistas de algo a se desenrolar ou de uma despedida, criando dicotomias a serem descobertas, que aguçam as narrativas e curiosidades em torno da fenomenologia do próprio material e sua polissemia de sentidos.
Em contraponto, as obras site specific intituladas Passinhos formam danças com as lonas suspensas, criando coreografias sobre nossas cabeças e por entre os vértices da simbólica arquitetura moderna, projetada por Rino Levi. Por meio de diferentes escalas, deslocam nossos olhares ao seu redor, sobrepondo linhas, curvas e volumes, que desenham no espaço composições múltiplas.
Allan Weber: Novo Balanço convida os espectadores a participar de uma experiência imersiva, em que temos a oportunidade não apenas de observar, mas também de interagir com as lonas. Andar, circular, balançar o olhar entre elas, explorar suas texturas e formas. Este encontro com as materialidades expostas permite uma apreciação mais profunda das nuances presentes, tanto físicas quanto conceituais, que se manifestam no espaço expositivo. A exposição busca, ainda, flertar com a essência das ruas, seus elementos simbólicos e as complexidades da vida urbana. Ao fazê-lo, transcende as fronteiras entre o ordinário e o extraordinário, lançando luz sobre as interseções entre arte, gesto e arranjos estéticos, enquanto ecoa significativamente suas implicações sociais e políticas.
// Jean Carlos Azuos
vistas da exposição
eliane duarte: reza
09 mar - 11 mai 2024
texto de catarina duncan
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A Central Galeria tem o prazer em apresentar “Reza”, exposição individual da artista carioca Eliane Duarte, com texto crítico de Catarina Duncan.
Eliane Duarte nasceu em 1943 no Rio de Janeiro e teve uma produção artística breve, mas intensa, até seu falecimento prematuro em 2006. Suas obras expandem os limites da tela como suporte e ganham corpo como objetos-amuletos-rezos. Feitos com tecidos, algodão, pigmentos naturais, cera, sementes, corda, penas, moedas e muitos outros elementos, habitam uma mística, ganhando corpo como entidades e forças únicas. Conforme relato de Duarte: “Meu trabalho é quase uma reza, no sentido de fazê-los de forma lenta e por uni-los uns aos outros, costurando-os como se fossem patuás. Queria uma coisa que desse sorte às pessoas e tudo que eu coloco tem a função de amuletos”.
Ao conhecer sua prática, acessamos fundamentos da natureza, formas orgânicas, flores, cachos e vestes que se materializam em suas obras através de um processo de costura visceral. A costura é uma prática ancestral mas frequentemente associada ao universo feminino domesticado. Entretanto, a voracidade com que Eliane trabalhou com essas técnicas aproximam o fazer artesanal ao cirúrgico. Suas metodologias explicitam também a urgência de se comunicar de outra forma, tridimensional mas não escultórica, com costura em pele e não só em tecido, sempre driblando das conformidades práticas do mercado de arte.
Sua obra é um legado à prática artística de mulheres no Brasil, que seguem sem o devido reconhecimento na memória coletiva de sua geração, evidenciando os processos patriarcais das decisões históricas sobre quem é reconhecido. Acessamos um conjunto de trabalhos que nunca foram apresentados juntos e assim resgatamos e honramos a memória não só dessa grande artista mas de todas as mulheres, artistas que seguem sem o devido reconhecimento.
Eliane Duarte estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, de 1987 a 1989. Começou a se destacar no cenário artístico ao ganhar o 1º Prêmio do Salão Nacional de Artes Plásticas da Funarte em 1994, com a obra “Veste”. Desde então, o sentido de maceração associado à ideia de gerar pele tornou-se um tema proeminente em sua poética.
Além de inúmeras individuais nas galerias Anna Maria Niemeyer, no Rio, e Camargo Vilaça, em São Paulo, expôs em: MAC Niterói; MAM Rio de Janeiro; Paço Imperial; Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro; Itaú Cultural de São Paulo. No exterior participou de coletivas em: Museu Solomon R. Guggenheim, Nova Iorque; Centro Cultural de Arte Contemporâneo, Cidade do México; Museo Alejandro Ottero, Caracas; Centro Cultural Culturgest, Lisboa; Museo del Barrio, Nova Iorque; Museo de Arte Latino-Americana, Buenos Aires; Coconut Grove Center, Miami; BildMuseet, Umea, Suécia; Fondation Cartier pour l’art contemporain, Paris. Suas obras integram as mais importantes coleções brasileiras, como: João Sattamini/MAC Niterói; Gilberto Chateaubriand/MAMRio de Janeiro; Coleção do MAC São Paulo; e internacionais como: Coleção Fondation Cartier pour l’art contemporain, Paris, Bernard Soguel, Basel; Cisneros e Museo Alejandro Otero, Caracas.
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As obras de Eliane Duarte expandem os limites da tela como suporte e ganham corpo como objetos-amuletos-rezos. São feitas com tecidos, algodão, pigmentos naturais, cera, sementes, corda, penas, moedas e muitos outros elementos. Seus trabalhos têm mística e ganham corpo como entidades e forças únicas, como relatou a artista em um de seus escritos: “Meu trabalho é quase uma reza, no sentido de fazê-los de forma lenta e por uni-los uns aos outros, costurando-os como se fossem patuás. Queria uma coisa que desse sorte às pessoas e tudo que eu coloco tem a função de amuletos” .[1]
Ao conhecer sua prática, acessamos fundamentos da natureza, formas orgânicas, flores, cachos e vestes que se materializam em suas obras por meio de um processo de costura visceral. A costura é uma prática ancestral, mas está frequentemente associada ao universo feminino domesticado. Entretanto, a voracidade com que Eliane trabalhou com essa matéria explicita a urgência de comunicar força pela costura, sempre driblando as conformidades estruturais e estéticas do mercado de arte. Como a artista nos diz: “Trabalho com agulha e linha como se fossem vísceras, meu intestino grosso e delgado... É através deles que existo e tento fazer arte. Com agulha e linha crio um pequeno mundo pra mim mesma, onde tento me entender”[2]. A artista inverte o trabalho da costura associado à mulher silenciada, e o transforma em uma forma de expressão potente que perfura, machuca e expõe as dores de um corpo coletivo.
A associação entre mulheres e natureza é também ancestral, uma afiliação que atravessa culturas e vem se fortalecendo enquanto vivenciamos a luta das mulheres por uma libertação cultural e econômica, ao mesmo tempo que assistimos as irreversíveis consequências da exploração da natureza. A percepção de que ambas as mulheres e a natureza são produtos a serem explorados, ou bens a serem consumidos, conecta a necessidade de despertar uma nova consciência ecológica e feminista.
A obra de Duarte acessa intuitivamente essa questão pela escolha de materiais naturais, pela prática da costura e pela forma como desafia os limites da arte contemporânea no seu tempo. Ao realizar obras tridimensionais mas não escultóricas, Duarte criava objetos vivos e utilizava matéria orgânica, métodos associados a fazeres “utilitários”, aproveitando restos de tecidos e reciclando materiais, ela desafiava as estruturas enquanto potencializava a sua conexão com a arte através da relação entre o corpo e a terra. Em sua obra camuflagem, a artista produz esculturas em tecido, como disse ela, “Há tempos trabalho com sobras, começar de novo, sobrevivência. No trabalho camuflagem envolvi cocos de babaçu em tecido, dando o sentido de preciosidade, proteção – É uma pequena homenagem às muitas árvores queimadas. Logo após as queimadas, são as palmeirinhas novas, as primeiras a despontar.”[3] A obra ganha forma na exposição como mapa da América do Sul, estabelecendo a conexão da artista com seu território.
No livro A morte da natureza, cuja primeira publicação foi em 1980, a filósofa eco-feminista Carolyn Merchant fala sobre a perspectiva do mundo como um organismo vivo: “Ao investigar as raízes do nosso atual dilema ambiental e suas conexões com a ciência, tecnologia e economia, precisamos re-examinar a formação de uma visão de mundo que, reconceitualizando a realidade como uma máquina, não como um organismo vivo, sancionou a dominação tanto da natureza quanto das mulheres”[4]. Merchant introduz a questão de um mundo que se esqueceu de sua essência em prol de um pensamento extrativista e desenvolvimentista, em grande parte patriarcal e masculino.
É importante ressaltar que não é o propósito desta análise restabelecer a natureza como mãe da humanidade, nem defender que as mulheres assumam um papel de educadoras, mas afirmar que precisamos nos libertar dos rótulos estereotipados que nos aprisionam. Como ensina a autora indiana Vandana Shiva: “A libertação da terra, a libertação das mulheres, a libertação de toda a humanidade é o próximo passo de paz que precisamos criar”[5].
A ideia de desenvolvimento como desenraizamento é elaborada também por Vandana Shiva: “O desenvolvimento significou a ruptura ecológica e cultural dos vínculos com a natureza...”[6]. O processo de trabalho de Eliane Duarte é também um processo de enraizamento, de reconexão com o próprio corpo e sua natureza.
Eliane Duarte tinha uma conexão profunda com seu processo artístico, processos que se manifestam muitas vezes nos títulos de suas obras: espiões, almas, cachos, fantasmas, iemanjá e vênus são alguns exemplos que nos aproximam do universo interior que a artista acessava em suas produções. Ao reverenciar entidades e orixás, a artista enfatizava o caráter espiritual de suas obras, e elementos sagrados e cotidianos formavam uma produção inata com o propósito de cuidar, proteger e transformar quem as observava. Uma de suas obras também era chamada pela artista de entes – como “parentes”, suas obras tinham vida e se relacionavam com ela dessa forma. Para Shiva, “o sagrado é o vínculo que conecta a parte e o todo”[7].
Eliane Duarte operava sobre as nossas peles, e sua obra é um legado da arte contemporânea brasileira. Por motivos estruturais, sua obra segue sem o devido reconhecimento na memória de sua geração. Nesta exposição, acessamos um conjunto de trabalhos inéditos, como flor de lótus, desenvolvidos no fim de sua vida, e muitos que não são apresentados há anos. Por isso se tornam tão urgentes quanto a sua criação, como relata em uma de suas anotações: “...estou criando. Acho mais interessante, mais urgente”.
Retomo aqui a importância de associações do sagrado, da natureza e da matéria. Ao saudar o invisível e o não dizível nos aproximamos de uma compreensão sutil de objetos particulares. Reza é uma exposição que apresenta um organismo espiritual e político que se entrelaça nas obras e na memória de Eliane Duarte, resgatada de acordo com a ordem de grandeza de suas obras e sua potência de conexão telúrica.
// Catarina Duncan
[1] DUARTE, Eliana. Tribuna Bis, 2002
[2] DUARTE, Eliana. Entrevista para Claudia Saldanha no texto ‘Agulha Guia’. 2019
[3] DUARTE, Eliana. Obras comentadas.
[4] MERCHANT, Carolyn. A morte da natureza, 1980. Harper & Row, Publishers, San Francisco, 1990. p.15.
[5] SHIVA, Vandana. Ecofeminismos - A busca por raízes, 2014. Editora Luas, Belo Horizonte, 2021. p. 183.
[6] SHIVA, Vandana. Ecofeminismos - Sem teto na aldeia global,2014. Editora Luas, Belo Horizonte, 2021. p. 189.
[7] SHIVA, Vandana. Ecofeminismos - Conhecimento indígena das mulheres e conservação da biodiversidade, 2014. Editora Luas, Belo Horizonte, 2021. p. 276. -