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efeito tyndall


08 fev – 21 mar 2020
curadoria julie dumont

  • Curadoria de Julie Dumont

    Com obras de Adriana Affortunati Martins, Alexandre Brandão, C.L. Salvaro, Jurgen Ots e Nicolas Bourthoumieux

  • Observado pela primeira vez por Michael Faraday em 1857 e estudado pelo físico inglês John Tyndall, o efeito Tyndall é um efeito óptico de espalhamento da luz que ocorre quando há a dispersão da mesma pelas partículas coloidais, deixando visíveis partículas de poeira suspensas no ar através de uma réstia luminosa que atravessa as árvores, por exemplo.

    Na exposição coletiva homônima a esse efeito, Adriana Affortunati Martins, Alexandre Brandão, C.L. Salvaro, Jurgen Ots e Nicolas Bourthoumieux tornam, cada um na sua linguagem, o invisível visível. Nas obras dos artistas, os objetos, as formas e a matéria ganham uma presença própria e integram sistemas formais alternativos cuja coerência está desvinculada dos seus significados iniciais para evidenciar uma ressonância humana, social e poética que ultrapassa a forma.

    Assim, o artista belga Jurgen Ots abre uma brecha temporal com o vídeo “Are we Arc?”. Na obra, folhas amareladas de cadernos de jogos de xadrez, garimpadas em feiras da Europa, desfilam, lembrando momentos de mudanças políticas e territórios desaparecidos como da antiga Rússia ou Iugoslávia. O ritmo acelerado do desfile das imagens enfatiza a contraposição de épocas, criando um quase afresco de cores congelando um horizonte temporal utópico.

    O resgate de elementos do passado caracteriza também a obra de C.L. Salvaro, embora sem manipulação ou, pelo menos, quase. Na instalação “Retrospecto”, o artista parte de vestígios de uma casa e transpõe ao espaço expositivo um pedaço de história do Brasil e das vivências dos ocupantes de um lar, aproveitando simplesmente da disponibilidade de elementos encontrados e das narrativas que podem existir neles, fora de qualquer urgência contemporânea. Agindo como uma espécie de arqueólogo do presente, o artista resgata na instalação camadas de tempo e raízes de uma casa onde se votou no Collor, junto a uma pistola, como testemunham elementos aparentes da instalação. O olhar de Salvaro cristaliza assim um momento, evidenciando partes da obra, escondendo outras e deixando a matéria se expressar.

    Em diálogo à pesquisa de Salvaro, Adriana Affortunati Martins revela em “Helena” a beleza poética da deliquescência, com uma obra feita de tecidos alterados por uma longa exposição aos elementos da natureza no quintal de sua casa. Os farrapos coloridos adquirem a aparência de pintura abstratas, sustentados por um quadro de madeira. No trabalho da artista, o tempo segue solto, os objetos apodrecem e a beleza é interior. Assumindo a imperfeição da vida – e a inevitabilidade do passar do tempo – a obra de Adriana Affortunati reivindica a sua efemeridade através do vento e da chuva que realizaram o trabalho junto com a artista.

    Partindo da matéria bruta, as obras de Alexandre Brandão, por sua vez, apontam a matéria e a tensão que surgem quando ela está sendo manipulada. A luz, o calor, as reações com o passar do tempo viram assim ferramentas de desenho, como na série “Estudo Cítrico” composto por letras de um alfabeto minimalista inspirado pelo alfabeto em relevo criado por William Moon. O hiato entre a substância e o objeto construído se manifesta também na obra “Tectônica”, na qual o artista inverte a passagem do tempo e cria fissuras na realidade usando técnicas ancestrais de construção para criar uma instalação lembrando solos desérticos.

    O impacto do antropoceno e a ação do humano no seu ambiente também permeiam a obra do francês Nicolas Bourthoumieux. A percepção do movimento e do tempo, a luz, o sublime da natureza e a sua relação com a condição humana se expressam assim em uma escultura esguia que deixa adivinhar um sol dourado destacado no fundo azul escuro de uma pintura. A nossa percepção muda conforme nos relacionamos com a obra, que convida à contemplação em um lugar onde as noções espaço-temporais desaparecem. Em diálogo a ela, uma série de fotos de uma paisagem lunar e de luzes de velas em movimento volta à questão da tensão entre o natural e o artificial, entre a mudança de um estado ou espaço para o outro e a percepção que podemos ter deles.

    Atuando como antropólogos, os artistas de O Efeito Tyndall oferecem para a matéria resíduos e escombros da nossa civilização em uma nova ressonância. Sem usar artifícios, eles evidenciam não somente os elementos usados, mas também as suas propriedades metafóricas, da mesma forma que a linguagem escrita contém, além da seu significado primeiro, ideias maiores que ultrapassam a mera descrição. Nas suas obras, o tempo, a relação entre o humano, a natureza e o manufaturado aparecem como as camadas deixadas pelas marés, em arranjos intuitivos fugindo da monumentalidade para privilegiar a presença individual das formas e do que existe além das aparências.

    Guiados pela proposta, dirigimos a nossa atenção para a simplicidade, para a essência do que nos cerca, para a poesia presente na decadência, no momento que precede a desaparição final do que é descartado. Escapando da maquina pós-modernista, talvez podemos pausar a velocidade de um mundo cada vez mais digital, obcecado pelo novo, pelo limpo e no qual o passar do tempo é visto como uma fatalidade indesejável. Então paramos para contemplar a poeira dançando, antes dela pousar e desaparecer, absorvida pelo mundo que a cerca.

    // Julie Dumont

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