17 dez 2021 – 06 mar 2022
texto ana avelar
museu nacional da república, brasília
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Temos o prazer de apresentar Fora dos planos, exposição individual de Rodrigo Sassi no Museu Nacional da República em Brasília. Esta é a maior mostra dedicada ao artista até a data e reúne cerca de trinta trabalhos tridimensionais, dez dos quais inéditos, que testam os limites plásticos de materiais “brutos” como concreto, madeira, ferro e pedras na criação de formas fluidas e curvilíneas. Tendo como ponto de partida sua relação com a paisagem urbana e os processos da construção civil, a obra de Sassi estabelece um diálogo direto com o entorno da exposição, desde a arquitetura do próprio museu e do Plano Piloto, até a arquitetura espontânea da periferia de Brasília.
A exposição conta com texto crítico assinado por Ana Avelar, curadora e professora da UnB, que destaca o aspecto humano na obra do artista. “Sassi se volta aos materiais e técnicas construtivas locais para destacar a arte que é própria daqueles que a dominam. Estão aí o artesanal, o improviso, a escala humana, o tempo alongado de que necessitam esses trabalhadores para realizar suas atividades”, ela analisa. “Nesses tridimensionais, encontramos formulações poéticas indicativas das coletividades laborais que sustentam nossa experiência metropolitana”.
Rodrigo Sassi nasceu em 1981 em São Paulo, onde ainda vive e trabalha. Graduado em Artes Plásticas pela FAAP (São Paulo, 2006), recebeu o Prêmio Funarte de Arte Contemporânea (Brasília, 2013) e realizou diversas residências artísticas como Campo (Garzón, Uruguai, 2019), Sculpture Space (Utica, NY, 2016) e Cité Internationale des Arts (Paris, 2014/2015), entre outras. Dentre suas exposições individuais, destacam-se: Caminhos incertos, horizonte imprevisível, Central Galeria (São Paulo, 2021); Tríptico, FAMA (Itu, 2019); Esquinas que me atravessam, CCBB SP (São Paulo, 2018); Mesmo com dias maiores que o normal, CCSP (São Paulo, 2017); Prática comum segundo nosso jardim, Caixa Cultural (Brasília, 2016); In Between, Nosco Gallery/Frameless Gallery (Londres, 2015) e MDM Gallery (Paris, 2015); Ponto pra fuga, MAMAM (Recife, 2012). Seu trabalho está presente em diversas coleções importantes como: MAR (Rio de Janeiro), MAB (São Paulo), FAMA (Itu), entre outras.
Rodrigo Sassi: Fora dos planos é realizada em parceria do Museu Nacional da República com a Central Galeria e conta com o apoio da Galeria Index.
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Os tridimensionais de Rodrigo Sassi sugerem monumentos constituindo-se como algo uno e permanente. Os materiais residuais que o artista coleta são em si detritos de nossas vivências coletivas que, nas obras, parecem fixar as feridas sociais impregnadas em nossas construções.
Nesse fazer, Sassi associa sua própria manualidade àquela de especialistas artesãos-operários que integram a construção civil brasileira, cujo emprego tecnológico não prescinde do processo construtivo artesanal. Observamos procedimentos semelhantes à estruturação de caixarias (moldes para vigas, colunas ou lajes) produzidas por carpinteiros; à montagem de estruturas de ferro, como a amarração de ferragens feitas manualmente por armadores, entre outros relativos ao ofício desses profissionais.
Uma genealogia para os trabalhos de Sassi estaria em escultores da segunda metade do século XX que abordaram o domínio industrial a partir da estratégia de apropriação de detritos urbanos. É o caso célebre de John Chamberlain, que acumulava materiais industrializados e os apresentava como uma crítica à sociedade de consumo estadunidense. Entretanto, o procedimento de Sassi não está apenas na combinação desses materiais residuais reutilizados, mas sim na metamorfose deles em tridimensionais com sinuosidades orgânicas, de chão ou de parede. Construídas artesanalmente com canaletas de madeira preenchidas por concreto, as esculturas de Sassi ganham formas que impactam os espaços com suas presenças vigorosas, impedindo assim a obsolescência dos materiais descartados.
Em outras palavras, nas operações de Sassi, os elementos da construção civil são moldados sensualmente, recebendo meandros e torções que podem traçar a leveza de pétalas ou laços no ar. Fazem lembrar as esculturas e relevos de outra escultora estadunidense, desta vez menos conhecida do que o anterior, Lee Bontecou, que manteve com Chamberlain uma relação artístico-teórica privilegiada, mas que dele diferia significativamente devido à transformação dos detritos em presenças biomórficas que se distanciavam das arestas características da ocupação urbana, à maneira do artista brasileiro.
Se as esculturas de Sassi funcionam nessa espécie de caligrafia formal que faz olharmos de novo para os materiais que edificam a metrópole — ele iniciou seu percurso artístico pelo grafitti, permanecendo o desenho como etapa inicial de seus projetos —, outros objetos desta exposição fogem da noção de escultura, remetendo a tramas e tecidos. Neles, argolas de metal, as mesmas utilizadas na armação do concreto, são presas uma a uma em linhas justapostas verticalmente, criando entrelaçamento como aquelas cotas de malha vestidas por cavaleiros medievais sob suas armaduras, com o objetivo de proteger o corpo de objetos perfuro-cortantes. Aludem ainda a tapeçarias, aparecendo associadas a fragmentos de pedra portuguesa dispostos como pingentes ou adornos. Desse modo, sugerem uma narrativa histórica de nossas cidades devido ao emprego dessas pedras irregulares no calçamento português e sua transposição para a colônia, com o processo artesanal dominado por mestres calceteiros.
Diante disso, a obra de Sassi discute a historicidade do trabalho penoso, árduo e opressivo que edifica as cidades brasileiras ao apropriar-se e conferir aos materiais formas que endereçam a presença da mão nesses processos de feitura. Ao contrário da tradição da escultura contemporânea estadunidense que possui centralidade no cenário artístico internacional dada pela monumentalidade de suas dimensões — pensamos em Richard Serra, por exemplo —, Sassi se volta aos materiais e técnicas construtivas locais para destacar a arte que é própria daqueles que a dominam. Estão aí o artesanal, o improviso, a escala humana, o tempo alongado de que necessitam esses trabalhadores para realizar suas atividades.
Assim, esta exposição de Rodrigo Sassi no Museu Nacional da República é oportuna porque se alinha à configuração atual da capital planejada cujo impacto implacável da construção civil sobre seus trabalhadores impregna particularmente os edifícios modernistas do chamado Eixo Monumental. Nesses tridimensionais, encontramos formulações poéticas indicativas das coletividades laborais que sustentam nossa experiência metropolitana.
// Ana Avelar