09 jun – 06 ago 2016
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Zimbeta
Raphael FonsecaAo observar a presente exposição de Rodrigo Martins na Central Galeria, alguns elementos são constantes. É possível destacar, em primeiro lugar, a presença da pintura e da escultura como linguagens norteadoras da sua criação de imagens. Em um segundo momento, no que diz respeito àquilo que poderíamos chamar de “assunto” das suas obras, chama a atenção a recorrência de elementos que remetem à anatomia humana. Essa relação triangular entre escultura-pintura-figuração, porém, não se trata de uma equação de fórmula óbvia e é sobre o seu tensionamento que a produção do artista parece estar concentrada.
O fazer escultórico do artista se dá pelo ato construtivo da adição. Em vez de abordar a escultura como um processo de subtração da matéria (onde, por exemplo, a figura humana nasce de dentro de um bloco de mármore), Rodrigo Martins trabalha a partir da maleabilidade artesanal e se predispõe à experimentação. Um de seus interesses recentes diz respeito aos pequenos bustos espalhados pelo Rio de Janeiro que prestam homenagem a artistas de gerações anteriores. O diálogo proposto entre o presente e esses monumentos que muitas vezes são despercebidos é feito ou pelo uso de diferentes materiais como o gesso e a imitação através do olhar, ou também pela extração de moldes feitos a partir do uso direto de silicone.
Os resultados obtidos são frágeis e rapidamente fadados à distância da imitação clássica. As esculturas são apresentadas de modo tão cru quanto sua confecção – pousadas diretamente sobre o chão da galeria, elas são opacas e não escondem as emendas entre o aço e a argila ou a arbitrariedade dos encontros entre um galho e o gesso. Esculpir e modelar são, ademais de produtores de objetos brutos, processos de criação abertos ao acaso.
Quando observamos estas obras ao lado de suas pinturas, algo de seu modus operandi fica mais claro – a mesma carga matérica dos objetos é perceptível no uso do óleo sobre tela e na fisicalidade das pinceladas que sugerem uma tridimensionalidade ao espectador. Para além de sua técnica, os enquadramentos sugeridos endossam a imperfeição e estranheza de suas esculturas. O corpo humano se faz aparente de modos distintos, mas poucas vezes é mostrado em sua totalidade; há sempre algo que impossibilita que nosso olhar contemple em detalhe as faces, troncos e membros das figuras pintadas.
Algumas de suas pinturas mostram fragmentos de esculturas ou representações de objetos quebrados que são batizados por nomes que possuem uma carga identitária, tal como “Lasar”, “Michelangelo”, “Segall” e “Victor”. Essas pistas - que podem levar o espectador a esbarrar, por exemplo, no fantasma do artista Lasar Segall - sugerem narrativas que convidam o espectador a ter uma postura imaginativa. Os seus céus também não geram conforto no observador; um deles é rarefeito como a fumaça, ao passo que aquele que carrega o bairro carioca de Santa Tereza em seu nome está mais para chuva do que para sol. Em ambos, somos novamente confrontados com imagens que se apresentam entre a representação e o enigma de algo que parece estar por vir.
A pesquisa de Rodrigo Martins chama a atenção devido à potência com que constrói diferentes estranhezas para o nosso olhar. Nem mesmo o gato Zimbeta, animal que visitava com frequência o seu ateliê, é retratado de modo palatável. Sua expressão dúbia entre a desconfiança e a morbidez de um animal empalhado poderia resumir o conjunto dessas obras. Fica o convite para que o público, assim como Zimbeta, tateie com o olhar este conjunto de obras, crie paralelos temporários entre as paredes e o chão e, ao fim, saia da galeria permeado por dúvidas.
Em um momento histórico em que a verborragia e a pressão pelas certezas se impõe, manter o olhar aberto para a dúvida que uma imagem ainda pode nos colocar é, certamente, uma virtude.