22 ago – 03 out 2020
curadoria simon watson
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A Central Galeria tem o prazer de apresentar “Terra”, exposição coletiva curada por Simon Watson. A exposição conta com obras de três artistas emergentes – João Trevisan, Leandro Júnior e Lídia Lisboa – explorando o espírito do sertão brasileiro.
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A exposição reflete uma exploração curatorial que se iniciou há dois anos em julho de 2018. Uma viagem de 20 horas realizada ao vale do Jequitinhonha, no interior de Minas Gerais, para conhecer o ateliê do pintor e escultor Leandro Junior assim como uma visita ao Quilombo de Cuba onde o artista é professor de artes voluntário de jovens e crianças. A região é notável de diversas maneiras: uma paisagem montanhosa, austera, acidentada e seca povoada por habitantes amigáveis, cujo espírito descomunal não é saciado pelas circunstâncias econômicas claramente difíceis da região. É uma região com profunda ligação com a história do Brasil. Lugar onde portugueses primeiro instalaram minas para exploração de metais preciosos, abastecidas por incontáveis gerações de africanos escravizados. Após esta primeira e breve visita ao vale do Jequitinhonha, ficou claro que ainda havia muito a se aprender sobre a região, as pessoas e sua história. Uma profunda fascinação com a região levou a uma exploração de artistas que abordam temáticas do sertão assim como leituras sobre a região, incluindo uma das mais famosas obras da literatura brasileira, o marco de 1956 de Guimarães Rosa Grande Sertão: Veredas, que tira força de um lugar com beleza crua, terra de um povo orgulhoso e diverso com uma história complexa.
Em “terra” as obras estão dispostas numa leitura da esquerda para a direita, em uma temática alegórica do dia para a noite, ao longo das três paredes principais da Central Galeria: a manhã é representada por vídeo, desenhos e esculturas de Lidia Lisboa; a tarde é representada por uma série de pinturas de Leandro Junior; e a noite é retratada por pinturas, video performance e instalação de João Trevisan.
Metaforicamente a exposição começa de madrugada com o video performance “Alvorecer” de Lidia Lisboa, realizada na Estação da Luz. Num monitor de vídeo na parede esquerda da galeria, descobrimos Lisboa vestida com uma das suas esculturas de tecido com dois metros e meio ‘’Casulo” . Sua performance é ondulante, sugerindo um bicho-da-seda gigante em uma jornada pela estação de trem do século XIX. Misteriosas, lúdicas e sobrenaturais, suas esculturas “Casulo” são uma versão suave de sua mediação ao longo da vida sobre o tema dos formigueiros encontrados em todo o Brasil. De muitas maneiras, seu foco é uma reflexão sobre comunidade, sobre a construção da comunidade, sobre as várias maneiras como uma unidade comunitária é concebida. Lidia Lisboa é natural de Guaíra, no Paraná. Os temas de suas obras refletem as pessoas e a paisagem de sua criação. Suas esculturas de argila feitas à mão, chamadas de “Cupinzeiro”, fazem referência a grande parte da paisagem vista em toda a América do Sul (bem como na África e na Austrália), em que os campos dos fazendeiros são pontilhados com montículos de terra vermelha, às vezes em escala de outeiros, todos feitos por colônias de cupins. Às vezes incrustadas com cacos de vidro e outras vezes com metal ou conchas, essas esculturas têm uma qualidade estranha e maravilhosamente perturbadora.
Ao longo da parede de cimento áspero da galeria estão alinhados os retratos pintados por Leandro Júnior de uma série de pessoas de costas que parecem olhar para o céu azul do futuro. Júnior é um pintor e escultor figurativo que se inspira na cultura forte e na intimidade cultivada no vale rural do Jequitinhonha, onde a maior cidade tem uma população de 7.000 habitantes. É um artista emergente que vem desenvolvendo sua pintura e escultura utilizando o barro como principal matéria-prima. Suas obras têm características únicas, o artista extrai o barro de um dos quilombos da região. Pintados com argila liquefeita que enfatiza a memória afro-brasileira do Vale do Jequitinhonha, seus retratos recentes tocam notas de tristeza e empoderamento - bem como a alegria absoluta de estar vivo em uma comunidade rural pobre, mas autossustentável.
A noite é narrada na terceira e última parede da exposição em uma série de pinturas óleo sobre tela, um vídeo performance e uma escultura robusta e articulada feita de dormentes de madeira e dobradiças de ferro do artista João Trevisan. Sua mais nova série de sete pinturas da série ‘’Intervalos’’ tem uma qualidade meditativa noturna e um preto rico que parece aludir ao espaço profundo. Em ensaio publicado no início do ano intitulado “O Ritmo Da Noite” de Ulisses Carrilho, o curador e crítico carioca refletiu sobre os “Intervalos” de Trevisan, que para ele remetem ao crepúsculo dos hábitos , repetição e ritmo. A exposição se encerra com uma video performance de Trevisan, um devaneio poético ao longo de uma ferrovia que termina em fogo. Para aqueles de nós com memórias de infância do som distante de um trem, é também sobre os confins da memória.
// Simon Watson